Ontem assisti no Cinesec a este excelente filme de Marco Bellocchio.
Resenha de Alex Xavier:
Antes de sua ascensão ao poder na Itália, o fascista Benito Mussolini (1883- 1945) foi um jovem manifestante socialista, já com certo talento para agitar as massas. Na época, envolveu-se com Ida Dalser, dona de um salão de beleza, que pagou caro por sua cega paixão pelo futuro ditador. O fascinante drama de Bellocchio (“Bom Dia, Noite”) revela o homem por trás do mito a partir do ponto de vista dessa mulher extremamente passional. Depois de vender seu negócio para financiar os ideais políticos do amante e de ter um filho com ele, a moça (interpretada por Giovanna Mezzogiorno) é deixada de lado para não atrapalhar a imagem impecável do líder. Por anos, ela permanece fiel a esse amor, apesar de Mussolini e seus comparsas fazerem de tudo para taxá-la de louca e apagar qualquer documentação que comprovasse o romance. A história, revelada em livro há pouco tempo pelo jornalista Marco Zeni, carrega detalhes sórdidos muito bem explorados. Chama atenção a visceral atuação de Filippo Timi, em dois papéis. Como o Dulce, ele consegue fugir do caricato. Mais tarde, o ator se transforma para viver o filho rejeitado, em performance angustiante.
Adorei o filme. Já havia visto há uns anos o Bom dia , noite, também muito bom. Uma marca registrada dos dois filmes é a fotografia incrível, transformando cenas comuns em ambientes fechados esm veradeiros quadros barrocos. Uma fotografia que transforma a dor em beleza, a angústia em devaneio, a destruição da guerra em poesia.
O filme é acima de tudo, a história da paixão irracional de Ida por Mussolini. Logo na cena inicial, Benito enfrenta um grupo de socialistas expondo sua descrença em Deus, e neste momento Ida o observa e se fascina. Ela foi capaz de se desfazer de todos os seus bens para financiar o Jornal de Mussolini, que finalmente o levará à consolidação do movimento facista. Durante todos os anos em que esteve afastada de Mussolini e seu filho, Ida nunca perdeu a esperança de que um dia ele reatasse com ela e reconhecesse o casamento e família, que nunca foi comprovado. Ida grita ao mundo sua história, escrevendo cartas e cartas que são jogadas ao vento, para fora das grades do manicômio, e em momento algum aceita desmenti-la em troca de seu atestado de sanidade, conforme sugerido pelo psiquiatra do manicômio. Em suas palavras, ele diz : "N a vida temos que ser atores, e o seu papel de esposa do Duce não é o que vai te salvar neste momento, e sim o papel da mulher facista recatada, submissa".
O Cinema dentro do Filme
Interessante é o uso do cinema antigo na construção do filmer. Imagens reais da ascenção do facismo de da Primeira Guerra pontuam bastante oportunamente o desenrolar da história. Aliás a metalinguagem do cinema está presente o tempo todo no filme: Ora nessas imgens documentais, que ilustram e dão bastante realismo histórico, ora na projeção de filmes como entretenimento, presentes o tempo todo. Ida passava muito tempo indo ao cinema, e interessante a homenagem que o diretor faz ao Cinema, demosntrando como as pessoas frequentavam as salas de projeção, e o envolvimento emocional delas com o que se passava na tela. Uma cena memorável são homens vendo imagens da revolução e o embate entre pacifistas e revolucionários dentro do cinema, com direito a pancadaria e cantoria de hinos revolucionários, detalhe para o pianista que acompanha o filme mudo, impassível tocando seu piano até o fim. Outro momento interessante é a projeçao de um filme no teto do hospital onde estão os feridos de guerra, entre eles Mussolini, com um acordeonista acompanhando o filme.
O Futurismo
Outra homenagem e referência histórica é ao Movimento Futurista, criado por FILIPO TOMMASO MARINETTI . No livro de poesias Guerra, a Única Higiene do Mundo (1915) ele comemora o início da I Guerra Mundial (1914-918) e pede a entrada da Itália no conflito. Em 1919, adere ao fascismo e torna-se seguidor de Benito Mussolini. No filme há uma cena de Mussolini vistanto a exposição permanente de pintura futurista em Roma, com cenas hilariantes dos pintores futuristas exaltando a guerra.
Também outra questão levantada é do papel da Igreja no fascismo, e do envolvimento de Mussolini, com ela. Outra frase do psiquiatra bonzinho de Ida é que "A Igreja ainda é o único senhor que o Facismo teme", ou algo assim. O mesmo Mussolini que renega Deus sucumbe ao poder da Igreja para conquistar seu objetivo, Vincere.
As atuações de Giovanna Mezzogiorno e de Filippo Timi são muito boas. Este se sai bem tanto como o próprio Duce, e melhor ainda interpretando seu filho, Benito Albino, imitando o pai. Por mais que a semelhança física do ator com Mussolini não seja assim um ponto forte, sua atuação explêndida salva o papel. Enfim, um filme que merece ser visto e um diretor que tem tudo pra ficar pra história, como os grandes mestres italianos.
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